Não há lugar para a sabedoria onde não há paciência. Santo Agostinho

Porque o Dia da Criança, apesar de ter sido celebrado no início do mês, é todos os dias; porque não é a primeira vez que me assumo como contadora de história; porque estes tempos nos pedem, na verdade, muita serenidade, resolvi contar-vos uma história. O título é “A Paciência”. É a história de uma semente que tinha nascido num jardim cultivado pelos homens e agora se encontrava sozinha, aparentemente sem futuro. Tinha sido verdadeiramente feliz, poderia pensar-se. Tinha tido tudo o que uma semente pode querer: sol, água e família. Rodeada por uma variedade de espécies que não conhecia, todas as manhãs, a flor que a sustentava estendia as suas longas pétalas ao sol brilhante e agradecia pelo facto de estar viva. À noite fechava-se e adormecia silenciosamente, seduzida pelo ritmo das cantatas das cigarras, pelo voo ruidoso de outros animas noturnos que povoavam aquele espaço e que se nutriam de pequenos insetos desprevenidos, e pelas divertidas e breves zaragatas de alguns vultos passageiros. Foi numa dessas noites que a pequena semente, já completamente amadurecida, resolveu aventurar-se. As pétalas protetoras esmoreciam, tinham perdido a vitalidade e se o sol, inicialmente amigo, lhe provocava implacáveis feridas, as orvalhadas da noite causavam-lhe arrepios desagradáveis e doentios. A semente compreendia que tinha que se manter ali para dar continuidade à espécie que lutava pelo direito à vida, naquele lugar protegido, mas o apelo transformara o sussurro inicial num grito desesperado de libertação e de fuga. Aproveitou, na dormência da noite, um espaço entreaberto por entre as pétalas, pelo qual espreitava uma luminosidade curiosa, e esquivou-se sorrateiramente. Ninguém daria pela sua falta. Eram muitas e a sua ausência não seria notada pelos restantes elementos da família. Nunca tinha tido a oportunidade de olhar para a noite, por isso assustou-se um pouco quando viu uma esfera enorme no alto dos céus a espiá-la. Aguardou uns breves momentos. De súbito, um esvoaçar rápido e cortante atirou-a para o chão seco onde insetos vagueavam à procura de alimento. Pouco tempo se manteve ali, pois foi imediatamente engolida por um gafanhoto. O ambiente era muito quente, quase se sentiu desfalecer, mas a aventura não tinha terminado ainda. Uma sacudidela estonteante levou-a a concluir que tinha mudado de hospedeiro, pois sentiu que se elevava nos ares. Supôs que tivesse sido uma daquelas aves que ouvia naquelas longas noites em que se sentia muito só, apesar de estar encostada às irmãs, a sonhar com o mundo que não conhecia. Supôs bem.

Na verdade, viajou durante muito tempo, seguindo um caminho traçado pela intuição de antigos progenitores, ao longo de muitos séculos. Finalmente fora libertada naquela terra inóspita e amarelecida.

Agora aguardava. Os dias repetiam-se iguais em luz e em calor, liderados pelos raios do sol que passava cada vez mais implacável, cada vez mais agressivo; de início bendizia-o, porém, com o tempo, os afagos transformaram-se em massacre, o calor em autêntico incêndio. À noite, os ventos agrestes perfuravam-lhe a pele, agrediam-na desafiadores e cirandava ao sabor da sua vontade, para um lado e para outro, fazendo um esforço colossal para se manter presa à terra. Sabia que a sua sobrevivência dependia da capacidade que tinha em criar raízes, por isso ia resistindo.

E aguardava. Sepultada naquele silêncio seco e cruel, sentia saudades das noites cálidas, dos ruídos familiares, das visitas dos amigos insetos à procura do pólen, da família. E todos os dias esperava que uma gotinha de água a encontrasse. Um dia, viu um enorme lago à sua frente, tentou deslocar-se, porém não conseguia movimentar-se, pois estava demasiado ressequida, presa entre duas areias maiores do que ela. Esperou ansiosamente que a noite viesse e o vento amigo a transportasse na sua direção. Esperou em vão. Naquela noite o vento não apareceu, nem na noite seguinte. Quando finalmente se apercebeu de que o vento se deslocava na direção certa, a pequena semente preparou-se para a viagem. A água estava lá ainda, azulada, brilhante, enfeitiçada. Nem o sol a consumira nem a noite a varrera. Deixou-se levar pela brisa, misturada com a areia e forçou o mergulho. Porém, acabou por cair num amontoado de areia exatamente igual ao lugar de onde saíra. Ainda estonteada pela surpresa, apercebeu-se de que tinha sido enganada por uma miragem. Naquele dia desanimou, entristeceu. Recuperou nos seguintes e continuou a esperar. Até um dia. A espera é uma circunstância do universo, alterada… até um dia. Por isso, nesta história há também um dia, um momento ou um segundo em que a mudança interrompe a circunstância que aparentemente se perpetua. A pequena semente deu provas de que valia a pena esperar; nos céus altos surge então uma nuvem aventureira que, alertada pelos ventos severos, resolveu fixar-se naquela terra inóspita. Atenta à desatenção momentânea do sol, deixou que sete pingos de chuva caíssem precisamente no lugar onde a nossa semente se encontrava. Esta, inicialmente, pensou tratar-se de mais uma miragem, mas rapidamente se viu sugada para o interior, onde a seiva pacientemente a aguardava para iniciar a sua nobre missão de a transformar em flor. A primeira flor do deserto.