“Coragem, força, fé e foco, eles merecem tudo.”

Assim termina a entrevista feita a Helena Dias, autora vilameanense do livro Autismo, O amor tudo vence. Trata-se de uma desafiante e extraordinária viagem, uma narrativa em primeira pessoa, no sentido de acompanhar e entender um ser diferente que surgiu na sua vida – o seu filho autista.

Jornal de Vila Meã – QUEM É A HELENA DIAS?
HELENA DIAS – Sou fruto da vivência e das experiências que tive ao longo da vida.
Considero-me uma pessoa humilde, simples, objetiva, organizada, positiva, ligada aos valores humanos e à família e tenho um grande senso de justiça que muitas vezes me prejudica.

Também sou ligada à espiritualidade, acredito que nada acontece por acaso e que tudo é um aprendizado, uma forma de crescermos enquanto pessoas e evoluirmos como seres humanos, daí não ter a menor dúvida de que tudo o que damos volta para nós.

Abomino mentiras, chantagem, manipulação, violência e pessoas que prejudicam a minha estabilidade familiar.

JV – COMO É QUE A IDEIA DE ESCREVER UM LIVRO COMO ESTE SURGIU NA SUA VIDA?
HD – Depois de o meu filho Duarte ser diagnosticado com o Transtorno do Espetro do Autismo (TEA) e de eu e o meu marido termos enfrentado muitas dificuldades, obstáculos, falsos julgamentos e aprendido a viver de um modo diferente, senti vontade de ajudar outras famílias que estivessem a passar pelo que passámos.

O objetivo era encorajar esses pais a nunca desistirem de lutar, pois os resultados surgem sempre que existe intenção, vontade, empenho e amor.

Não é um caminho fácil, é uma luta desigual, mas não é o “fim do mundo”, acredito que estes seres especiais nasceram para nos ensinar o verdadeiro significado das coisas realmente importantes.

Entretanto comecei a partilhar nas minhas redes sociais as pequenas, mas grandes vitórias que íamos tendo com o nosso filho e rapidamente comecei a ter reações. Começaram as mensagens e telefonemas, algumas mães atípicas simplesmente partilhavam o seu testemunho, outras pediam conselhos e outras felicitavam-me pelas partilhas.

Achei que estava a fazer o certo, até que um dia fui desafiada a escrever um livro, gostei da ideia e coloquei-a em prática.

JV – CONSIDERA QUE A SOCIEDADE JÁ ESTÁ ABERTA A ESTES CASOS ESPECIAIS, COMO O AUTISMO ?
HD – Não. Embora já exista muita informação, a sociedade continua a estar pouco informada, pouco recetiva, deveria haver mais inclusão, as famílias deviam ser mais apoiadas, as escolas mais preparadas e com mais pessoal qualificado, os amigos perdem-se e a preocupação do futuro é constante.

Os autistas, na maioria dos casos, são vistos como sendo mimados, malcriados e sem educação, quando, na verdade, é uma questão de dificuldade de interação e comunicação.

Todas as famílias que têm um membro especial passam mais ou menos pelo mesmo, é comum perderem o brilho no olhar, a vida social fica parcialmente anulada, as mães muitas vezes são obrigadas a deixarem de trabalhar, o orçamento familiar fica reduzido e tem de haver maior esforço financeiro.

Devia havia atendimento prioritário, a espera em filas pode gerar impaciência, ansiedade e frustração e um autista pode ter uma descarga ou até uma crise.

Sei que algumas escolas estão a ter em atenção o aumento dos casos e estão a criar alguns espaços adaptados, ainda assim, as respostas são insuficientes.

JV – EXPLIQUE, ABREVIADAMENTE, EM QUE CONSISTE O AUTISMO.
HD – É importante dizer que o autismo não é uma doença, não se consegue diagnosticar na gravidez e não tem cura.
O autismo é um transtorno que afeta a comunicação e o relacionamento com os outros, está diretamente relacionado com lado neurológico, ou seja, um autista pensa e age de modo diferente.

É um mundo diversificado, o autista pode ser verbal ou não verbal, pode padecer do transtorno do sono, hipersensibilidade, intolerância a determinados alimentos, texturas, sensibilidade ao som e ao toque, ter dificuldade em cortar o cabelo, as unhas, também em se vestir e despir, até o banho pode ser complicado; o simples fato de ter de mudar de um ambiente para o outro pode tornar-se um pesadelo.

Quando falamos para um autista, devemos fazê-lo num tom baixo, usar frases curtas e simples, não devemos usar metáforas, porque levam tudo à letra. Por exemplo, na frase: “Agora é que a vaca vai torcer o rabo”, o autista vai simplesmente imaginar o que realmente estamos a dizer.

Não existem dois autistas iguais, mas existem coisas muito parecidas.

Nos primeiros seis anos de vida, as terapias são imprescindíveis, o cérebro tem mais elasticidade e está mais recetivo, quanto mais tarde começarmos as terapias, a reorganizar a nossa vida e a nossa casa, mais os atrasos aumentam e estas crianças saem mais prejudicadas. Levei muito em consideração este ponto, para mim, tornou-se uma luta contra o tempo e passei a ser não só mãe, mas terapeuta, professora, psicóloga…

JV – SE FOSSE POSSÍVEL REPETIR O MESMO CAMINHO, O QUE FARIA DE DIFERENTE?
HD – Francamente, eu não faria nada diferente, quando olho para trás, sinto-me orgulhosa pelo percurso que fizemos enquanto família. Eu e o meu marido tentamos sempre trabalhar em equipa e não podíamos ter feito mais, quem já leu o livro pode ter uma perceção exata do esforço, empenho e dedicação que sempre demostramos pelo nosso filho.

É muito gratificante ver a evolução que o Duarte teve nestes quase sete anos, apenas desejamos continuar a estar à altura deste desafio que implica muito sacrifício, mas ao mesmo tempo, até ao momento, a sensação de dever comprido.

JV – A QUESTÃO DA FÉ, DE QUE FALA NO LIVRO, É IMPORTANTE OU É A QUESTÃO DA HUMANIDADE PRESENTE EM CADA UM DE NÓS QUE A ILUMINOU E ILUMINA?
HD – A fé é sempre importante seja ela qual for, assim como a humanidade. A fé encoraja-me a não desistir e a humanidade entre as pessoas fortalece os relacionamentos, costumo dizer que não existe maior amor do que aquele que se pratica e isto só é possível quando as pessoas são humanas.

A minha fé é muito própria, não sigo nenhuma religião, mas respeito todas elas, acredito que o mal não está nos ensinamentos religiosos, mas sim nas pessoas, não tenho qualquer problema em visitar uma igreja, um Salão do Reino, uma mesquita ou um santuário, fá-lo-ei desde que faça sentido para mim e desde que a energia envolvente me faça sentir bem. Em maio deste ano, fiz parte de um grupo de peregrinos e fui a pé ao Santuário de Fátima; foi uma experiência única, adorei e terei de repetir, senti-me em paz, recebi e entreguei amor. As coisas não precisam de ser formatadas, o importante é fazerem sentido para nós.

Creio numa força universal que nos domina, acredito que o querer tem muita força e que quando gastamos energia com algo realmente importante, as coisas acontecem.

Desde muito cedo que sigo o lema dos três “F”: força, fé e foco.

Para mim, o mais importante é a evolução enquanto ser humano, é libertador desprendermo-nos do medo do pensamento alheio e do preconceito.

JV – O QUE DIRIA AOS PAIS QUE TÊM EM MÃOS ESTA SÉRIA MISSÃO DE CUIDAR DE FILHOS ESPECIAIS COMO O SEU?
HD – Eu olho para o meu filho como sendo um presente divino, nenhum ser à face da Terra é igual, então porque exigimos isso de um autista?

Em vez de olharmos negativamente para este desafio, porque não aprendermos as coisas boas que o nosso filho tem para oferecer? Não existe amor mais bonito do que o amor de um autista, um amor sincero e verdadeiro.

Diria o que já tenho dito ao longo das muitas conversas que fui tendo: – “Não estão sozinhos, existem muitas famílias a passar pelo mesmo, não tenham medo de falar, de se afirmarem, de partilharem os receios e os medos e muito menos não tenham vergonha do vosso filho perante a sociedade, nem do que os outros vão pensar, a opinião dos outros não vai alterar em nada o panorama, se vem para acrescentar algo de bom, ótimo, caso contrário, não tem importância, é insignificante.

Não tenham medo do diagnóstico, quanto mais cedo a criança for diagnosticada melhor, para que as terapias comecem de imediato e para que as mudanças necessárias se deem no momento certo.
O medo do futuro vai sempre estar presente, mas se fizer o melhor que sabe, posteriormente não se vão arrepender do que podia ser feito.

As crianças têm uma capacidade grandiosa, quando vêm acompanhadas, a evolução pode ser surpreendente, não desistam de lutar, os frutos aparecem sempre a seu tempo.

E ainda, se achamos que a sociedade não está preparada, mas continuamos a ter dificuldade em falar do tema, como queremos que as coisas mudem? Este trabalho também tem de partir dos pais.

Coragem, força, fé e foco, eles merecem tudo.