Em boa paz com teólogos e filósofos, a mim se me afigura que o homem é um composto de grandeza e pequenez, uma dualidade de gigante e de pigmeu. Camilo Castelo Branco
O tempo quente de julho clama por férias, por descanso, praia ou piscina, porque o astro-rei escalda e convida ao reencontro com as nossas origens aquosas, neste verão um pouco atípico, dizem aqueles que estão habituados a estações mais confiáveis, isto é, mais previsíveis, porém, sabemos que em muitos lugares, menos bafejados pela sorte, o mesmo sol desaba sobre as coisas, os seres, impiedosamente, sugando todas as gotas de água que se atravessam nos desérticos caminhos; por isso, agradeçamos por este sol que brilha nos céus azuis durante o dia, obrigando-nos a transpirar, e à noite as tréguas dão lugar a uma frescura muito agradável que convida ao passeio.
É certo que associamos, infelizmente, o verão aos incêndios e constatamos que este ano não é exceção, pois condenamos aberta ou implicitamente a atitude (incompreensível, de loucura ou de inconsciência) que leva alguém a incendiar a nossa flora, vitimando animais e plantas, tão massacrada todos os anos. Porém, as notícias transportam-nos para outros lugares no planeta onde a situação é substancialmente pior. O mais recente caso é o da Califórnia, onde milhares de pessoas tiveram de ser evacuadas das suas habitações, e milhares de floresta ficaram reduzidas a cinzas; obviamente que a floresta é também habitat de espécies das quais não se fala, como coelhos, cobras, formigas, etc, um sem número de animais que são extremamente importantes para a sustentação do equilíbrio da Natureza. Agradeçamos, porque, por aqui, neste cantinho à beira-mar plantado, como se diz, a situação não é tão grave o os meios que possuímos ainda vão controlando com eficácia a situação.
Queixamo-nos da chuva excessiva, quando chove mais do que o normal, afetando algumas culturas, ruas, locais, pessoas, no entanto, podemos recordar as enchentes no Rio Grande do Sul, que ocorreram entre o final de abril e início de maio de 2024. Foi considerada “a maior catástrofe climática” da história do estado, tendo afetado mais de 60% do território estadual, com cerca de 500 mil desalojados, e várias centenas de mortos e de feridos. O nosso clima temperado tem-nos proporcionado, afinal, algum conforto.
Temos de falar e inevitavelmente na paz que conquistamos ao longo do tempo, tanto individual como coletiva, porque, apesar de alguma conflitualidade nas relações interpessoais, de caráter social e político, com alguns oportunistas a pôr em causa o humano, a civilidade e os princípios morais, nada se compara com a situação de guerra quente e em primeira mão. (Refira-se apenas os casos mais mediáticos como o da invasão da Ucrânia pela Rússia e o do conflito Israel-Hamas com milhares de vítimas de ambos os lados, inocentes, na maior parte dos casos.)
É legítimo lutar pela melhoria de salários e por melhores condições de vida, pela igualdade de direitos, pela justiça, pela liberdade. Alguns objetivos têm sido atingidos, apesar de não haver uma situação perfeita. Relembremos que, ao nosso lado, há países que vivem debaixo do mesmo céu, nos quais vivem pessoas que não lutam porque nada têm, coabitam com a fome, com a sede e com a miséria. Não lutam porque não têm forças para lutar, e anseiam pela morte, única libertação do sofrimento.
Elencamos os erros, as fraquezas do país onde vivemos. Temos esse direito, fazemos parte dele, somos átomo, parte do todo, da comunidade. É lícito. Contudo, vêm-me à memória as pessoas que ficam sepultadas nas águas apenas porque procuram um pouco de terra para viverem. Tantos os casos, tantos os casos!
Afinal, temos terra onde colocar os pés com segurança, liberdade de agir e de pensar, paz e até um oceano onde podemos banhar os nossos pés e os nossos sonhos, quando precisamos.
Agradeçamos, pois, porque temos consciência. Consciência da existência do outro ao nosso lado, do respeito que devemos ter por ele, por nós e pela Mãe Terra; é a consciência que nos coloca um passo à frente na caminhada em direção à nossa humanidade.
