Era uma vez um país de gente emudecida, de gente sem voz. Pouco a pouco, sílaba a sílaba, as pessoas começaram a pronunciar a palavra liberdade. Primeiro timidamente, depois com convicção hercúlea e quando esta preencheu os seus corações e atingiu as suas consciências, outras palavras foram nascendo já gritadas: igualdade, humanidade, ensino, fraternidade, paz, saúde, educação…
As pessoas desse país colaram então todas as palavras umas às outras e construíram um novo país.
Esta é, sem sombra de dúvida, a história mais singela e mais pequena um dia escrita. Porém, serve de introito ao que pretendo expor. E digamos que o tamanho não interessa. Importante é o seu conteúdo, a sua substância e a forma como ela fica registada na história de cada um e na grande História comum.
Tenho de dizer que me surpreendeu, acreditem. Sabia que devia ser participada a comemoração dos cinquenta anos do 25 de Abril, que a data merecia ser celebrada com pompa e circunstância por todos e especialmente pelos saudosos que acompanharam e viveram mais de perto as circunstâncias em que decorreu a reviravolta e que implicaria injetar um rumo diferente na governação do nosso país, porém, a forma entusiasta como o país renovou os votos de esperança surpreendeu-me, repito. Ondas vermelhas encheram as praças e as ruas, reiterando e repetindo a energia antiga que se viu remoçada no encontro de gerações. Vi associações, autarquias, escolas e pessoas unidas e em festa. Autêntica, verdadeira. Como há 50 anos, o povo veio para a rua celebrar as conquistas de abril e aplaudir os agentes que protagonizaram um dos momentos mais importantes da nossa história e, diga-se, único na História mundial. Chamamos-lhe Revolução dos Cravos. Homenagem seja feita, embora tardiamente, a Celeste Caeiro, que batizou o momento com um gesto tão simples, mas tão nobre: a oferta de cravos aos soldados que posteriormente os teriam colocado nos canos das espingardas.
Acho que, de uma forma ou doutra, quer tenhamos vivido mais intensamente ou menos intensamente, o acontecimento, todos somos responsáveis pelas memórias comuns, pela passagem do testemunho, por falar, contar, recordar, reviver, partilhar. É importante zelar pelo jardim que foi plantado, para que os cravos continuem vivazes a nortear as gerações vindouras. Desta forma o nosso papel será cumprido, para os nossos filhos e os nossos netos poderem repetir: “Em todos os dias do ano, não só em abril, haverá cravos mil”.