Para conhecer os homens, torna-se indispensável vê-los agir

Quando o leitor se deparar com este editorial, estará certamente a viver em pleno o período pascal, este ano tão impaciente, digamos, pois estamos ainda em finais de março, e já tudo se projeta em direção à celebração primordial que é a festa da Ressurreição de Jesus. Refira-se que a Páscoa é uma festa móvel, o que significa que a sua data não é fixa em relação ao calendário civil. Esta informação é conhecida por todos, evidentemente; outras informações há que necessitam de ser enunciadas. Assim sendo, no ano 325, o Primeiro Concílio de Niceia estabeleceu a data da Páscoa como sendo o primeiro domingo depois da lua cheia após o início do equinócio vernal (a chamada lua cheia pascal). Do ponto de vista eclesiástico, o equinócio vernal acontece a 21 de março (embora ocorra no dia 20 de março na maioria dos anos do ponto de vista astronómico) e a “lua cheia” não ocorre necessariamente na data correta astronómica. Por isso, a data da Páscoa varia desde 22 de março até 25 de abril. No cristianismo, a Páscoa ou Domingo da Ressurreição é uma festividade religiosa e um feriado que celebra a Ressurreição de Jesus, ocorrida no terceiro dia após sua crucificação no Calvário, conforme o relato do Novo Testamento. A última semana da Quaresma é a Semana Santa, que contém o chamado Tríduo Pascal, incluindo a Quinta-Feira Santa, que comemora a Última Ceia e a cerimónia do Lava-Pés que a precedeu e também a Sexta-Feira Santa, que relembra a crucificação e morte de Jesus. As celebrações da Páscoa multiplicam-se em todos os países católicos, em muitos casos de uma forma excessiva, noutros mais subtilmente. Não pretendo ajuizar sobre elas, evidentemente. Gostaria apenas de me debruçar sobre a cerimónia do Lava-Pés.

Embora relatos históricos comprovem a existência deste ritual noutras civilizações antes do Cristianismo, sabe-se que é também uma prática comum noutras religiões.

Recorramos aos relatos bíblicos que mencionam Jesus realizando o ritual de Lava-Pés durante a Última Ceia, na Quinta-Feira Santa:
«Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim. Durante a ceia, (…) levantou-se da mesa, tirou as suas vestes e, tomando uma toalha, cingiu-se; depois deitou água na bacia e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido. (…) Depois de lhes ter lavado os pés, tomou as suas vestes e, pondo-se de novo à mesa, perguntou-lhes: Compreendeis o que vos tenho feito? Vós me chamais Mestre, e Senhor, e dizeis bem; porque eu o sou. Se eu, pois, sendo Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros; porque vos dei exemplo, a fim de que, como eu fiz, assim façais vós também.» (João 13:1–15)

O que pensar, o que ajuizar? Primeiramente, digamos que não se trata apenas de aconselhar a praticar ações louváveis; é, antes, um simples repto para se seguir o exemplo apresentado. O Mestre agiu, não se limitou a proferir uma advertência. Embora as palavras contribuam para mover o mundo, as ações aceleram a dinâmica das mentalidades e impulsionam a mudança. É a maior lição de humildade que conheço, pois está carregada de significação e de simbolismo. Toda a aprendizagem exige humildade, porém, como vivemos num tempo em que muitas vezes se supervaloriza a autoestima, o amor-próprio, a altivez e a liberdade de ação em conformidade com o ego, fácil se torna relativizar a atitude modesta de aceitação do outro, de escutar com o objetivo de aprender; confunde-se, em suma, humildade com submissão e dependência. Todos sabemos que estas situações ocorrem em todas as áreas do conhecimento e dos relacionamentos humanos.

Este não pretende ser um espaço para ditar ou impor comportamentos, porém, torna-se oportuno insistir no facto de que não seria demais recordar esta atitude do Mestre Jesus e alargá-la a todos os setores da vida do homem. Até porque a questão dos pés lavados nos conduz inevitavelmente a uma outra interpretação: os pés constituem a nossa maior ligação à terra, colam-nos à fisicalidade, à materialidade (com tudo o que há de bom e de menos bom); assim sendo, urge tomar consciência de que o ato de lavar implica o abandono de tudo aquilo que nos prende e que nos obriga muitas vezes a ser menos corretos ou menos perfeitos. Por outras palavras, é a lei do desapego. Não seria este também o ensinamento de Jesus?