livro Flama

“O conhecimento torna a alma jovem e diminui a amargura da velhice. Colhe, pois, a sabedoria. Armazena suavidade para o amanhã.” Leonardo Da Vinci

Continuo a acreditar que a sabedoria de um povo ou de uma civilização também se encontra nos ditados populares. Num tempo em que as condutas priorizam protótipos de beleza, alicerçados ou associados ao arquétipo da juventude e ao dinamismo que a caracteriza, difícil se tem tornado fazer prevalecer valores considerados de outros tempos, mais antigos, diga-se. Não deixarei, no entanto, de içar a minha bandeira contra esses paradigmas tão comummente aceites pela nossa sociedade. A esse respeito recordo a história que me era contada e tantas vezes repetida, do pai idoso que foi acompanhado pelo filho para morrer no monte. Antes de se despedir, dividiu a manta que transportava como único conforto, em duas metades, dizendo que uma delas seria para o filho quando chegasse a sua vez. Foi uma nobre lição aquela. É certo que hoje cuidamos dos nossos idosos de uma forma diferente – é a nossa obrigação mais justa – e se há instituições onde as regras não são devidamente cumpridas, outras há onde se respira tranquilidade, afetividade, carinho e bem-estar, que é do que eles mais precisam, e do que mais tarde ou mais cedo todos vamos precisar.

Fui recentemente convidada para apresentar um livro meu, de poesia, a uma dessas instituições. Não houve como habitualmente perguntas, não houve muita interação, nem efusividade. No entanto, senti que as pessoas (e alguns utentes estavam quase a atingir o centenário) estavam inteiras. Falei no meu percurso de vida, que foi semelhante ao de muitos; li poesia, na qual presentifico dados e vivências tão comuns a tantos (por exemplo, quando se falou na celebração do Natal e do Menino Jesus, recuaram comigo ao seu passado); ouvimos músicas associadas aos poemas e eles aplaudiram com entusiasmo (não só porque a intérprete trabalha na instituição e a magia da sua voz tem o condão de nos aproximar dos anjos, mas também porque os sons evocam, na verdade, o que há de mais belo na alma humana). Houve beijos, abraços, poesia, e muito carinho. No final, um utente da instituição quis partilhar comigo algumas das suas experiências. Recordo, enquanto escrevo este texto, o entusiasmo que colocou em todas as palavras, todas elas no lugar certo. E o mais surpreendente é que falou sempre em primeira pessoa, e maioritariamente no presente, o que é para mim, extraordinário, quando grande parte das pessoas, a partir de uma certa idade e o que é perfeitamente compreensível, assume uma atitude de acusação ou de negação perante aquilo que o rodeia.

Penso que não exige muito de nós contribuir para a felicidade de uma pessoa. Basta, muitas vezes ouvi-la e permitir-lhe revelar o seu brilho, a sua energia, a sua pessoalidade.
Os trapos, velhos ou não, podem ser atirados para um canto, depois de serem usados. Numa sociedade que preze verdadeiramente os seus valores e a sua ancestralidade, reforçaríamos o ditado: Velhos são os trapos, as pessoas não.

Obrigada, meus amigos, pela aprendizagem e pela constatação, mais uma vez, de que o homem é um ser único e só dele depende a projeção que quer dar à sua alma.