Os leitores já conhecem a minha paixão pelas histórias; elas constituem, sem dúvida, um excelente veículo de aprendizagens e de saberes; representam ideologias de uma civilização ou de um povo, moldam consciências. Sobrevivem porque encerram metáforas e simbologias. A grande maioria obriga-nos a pensar e é essa a sua grande potencialidade, pois abre caminhos interpretativos e cria conexões com a nossa realidade.
“O rei vai nu” é o título de uma história do célebre autor Hans Christian Andresen que discorre sobre um rei muito vaidoso e muito preocupado com a sua aparência. Um dia, dois homens disseram ter descoberto um tecido muito belo e único, pois os tolos não seriam capazes de o ver. Daquela forma, o rei poderia distinguir as pessoas inteligentes das estúpidas e ignorantes, que não eram úteis na corte. O rei ficou tão entusiasmado, que lhes pediu para fazerem imediatamente um fato. Os dois homens tiraram as medidas e, daí a umas semanas, apresentaram-se ao rei com o produto do seu trabalho. O rei ficou surpreso, porque não via nada, mas como não queria passar por parvo, respondeu que era muito belo. Os dois homens simularam que estavam a vestir o fato, não faltando obviamente os gestos necessários e as exclamações elogiosas. Ora, como ninguém queria ser excluído da corte como tolo, ouviam-se exclamações de júbilo: o fato era uma verdadeira maravilha! A notícia correu depressa e o rei resolveu sair para se mostrar ao povo. Toda a gente admirava a vestimenta, pois ninguém queria ser considerado estúpido, até que, a certa altura, uma criança, com toda a sua inocência, gritou:
– Olha, olha! O rei vai nu!
No primeiro momento ninguém reagiu, depois foi gargalhada geral. Só então o rei compreendeu que fora enganado; envergonhado e arrependido da sua vaidade, correu a esconder-se no palácio.
Foi uma notícia banal que teve o condão de me recordar esta história: numa mesquita, depois de se descalçar, o atual rei de Inglaterra, Carlos III, revela que tem um buraco na meia. Se houve gargalhadas ou risos escondidos não sei. Sei apenas que tive acesso à imagem e à notícia, como teria tido muita gente. Que eu saiba, por gentileza, tradição ou respeito, este acontecimento banal não foi expandido pelos media sensacionalista. No entanto, considero que merece algum reparo e uma breve reflexão. Afinal, os homens são verdadeiros estrategas, vestem-se de artimanhas, mais conhecidas por máscaras para enganar e seduzir e para esconder as suas fragilidades, cito, os buracos nas suas meias. Numa perspetiva mais geral, constata-se que as hierarquias terrenas estão desgastadas, escondem culpas e transgressões, apesar de ostentarem uma riqueza pintada de idoneidade e decência. A sociedade continua a idolatrar reis, príncipes e princesas, a alimentar espetacularidades; continua presa ao paradigma da representação da divindade na terra, que começou com o culto faraónico e se aproximou mais de nós em tempos de absolutismo, durante os quais o monarca reforçou os seus poderes, tornando-se dono de nações e dos seus súbditos (que não deixava de ser uma forma de escravização, unanimemente aceite). Diga-se que a idolatria é oportuna para o poder constituído, é uma forma subtil de manter a calma social, a mente ocupada, feliz e alienada. Afinal, e concluo, os santos têm pés de barro, ou mais modestamente, se preferirem, todos temos telhados de vidro, servindo-me de adágios que pretendem justificar as fragilidades humanas.
E como tristezas não pagam dívidas, ou então porque rir é o melhor remédio, deito mais uma acha na fogueira, dizendo que seria muito interessante pensar que um dia a imaginação profícua de um autor daria corpo a uma história com o título: “As meias rotas do rei”. A sério!