Eugénio de Andrade
Foto: Porto.pt

Centenário de Eugénio de Andrade

Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas, nasceu em Póvoa de Atalaia, no Fundão, no dia 19 de janeiro de 1923. Era filho de camponeses e depois da separação dos pais, passou a sua infância na companhia da mãe. Com sete anos de idade, foram viver para Castelo Branco e depois, em 1932, para Lisboa, onde frequentou o Liceu Passos Manuel e a Escola Técnica Machado de Castro. Revelou desde criança interesse pela leitura, passando horas nas bibliotecas públicas. Em 1936, Eugénio de Andrade começou a escrever os seus primeiros versos, e em 1939 publicou o seu primeiro poema “Narciso”. Pouco tempo depois, adotou o pseudónimo de “Eugénio de Andrade”. Em 1943 foi para Coimbra onde permaneceu até 1946, após cumprir o serviço militar. Em 1947, já em Lisboa, tornou-se funcionário público, exercendo durante 35 anos a função de Inspetor Administrativo do Ministério da Saúde. Em 1948 publicou o livro “As Mãos e os Frutos”, que recebeu elogio dos críticos literários. Em 1950 foi transferido para o Porto. O poeta levava uma vida reservada, vivia distante da vida social e pouco aparecia em público.

Recebeu inúmeras distinções, entre as quais o Prémio da Associação Internacional de Críticos Literários (1986), Prémio D. Dinis da Fundação Casa de Mateus (1988), Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (1989) e Prémio Camões (2001). A 8 de julho de 1982 foi feito Grande-Oficial da Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, do Mérito Científico, Literário e Artístico e a 4 de fevereiro de 1989 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito.

O poeta fez diversas viagens, foi convidado para participar em vários eventos e travou amizades com muitas personalidades da cultura portuguesa e estrangeira, inclusivamente com Agustina Bessa-Luís, Teixeira de Pascoaes e Miguel Torga.

Paralelamente ao cargo público, e além de tradutor, Eugénio de Andrade publicou mais de vinte livros de poesia, obras em prosa, antologias e livros infantis.

Faleceu a 13 de junho de 2005, no Porto, após uma doença neurológica prolongada. Encontra-se sepultado no Cemitério do Prado do Repouso, em campa rasa, em mármore branco, desenhada pelo arquiteto seu amigo Siza Vieira.

Algumas obras: As Mãos e os Frutos (1948); Os Amantes Sem Dinheiro (1950); As Palavras Interditas (1951); Os Afluentes do Silêncio (1968); Obscuro Domínio (1971); Escritas da Terra (1974); História da Égua Branca (1977); Rosto Precário (1979); Matéria Solar (1980); Chuva Sobre o Rosto (1982); Escrita da Terra (1983); Alentejo Não Tem Sombra (antologia) (1983); Aquela Nuvem e as Outras (1986); Vertentes do Olhar (1987); O Outro Nome da Terra (1988); Porto: Os Sucos do Olhar (1988); Rente ao Dizer (1992); Contra a Obscuridade (1992); A Sombra da Memória (1993); Ofício da Paciência (1994); O Sal da Língua (1995); Os Lugares do Lume (1998); Os Sulcos da Sede (2001).
Programação

No Centenário do nascimento de Eugénio de Andrade, o Museu da Cidade e as Bibliotecas Municiais do Porto homenageiam Eugénio de Andrade, com uma programação expandida, dentro da qual se destaca a exposição “Eugénio de Andrade, A Arte dos Versos”, um Curso Breve, ciclos de leitura e de conversas, percursos e um programa educativo. A mostra foi inaugurada a 19 de janeiro, na Biblioteca Municipal Almeida Garrett.

A exposição “Eugénio de Andrade, A Arte dos Versos”, com a curadoria de Jorge Sobrado e Rita Roque e aconselhamento científico de Arnaldo Saraiva, apresenta documentação inédita, organizada a partir do acervo da Fundação Eugénio de Andrade. Tendo como ponto de partida o espólio doado pela Fundação Eugénio de Andrade ao Município, que se encontra em depósito na Biblioteca Pública Municipal do Porto (estando até disponível para consulta) e no núcleo de coleções do Museu da Cidade, a exposição terá entrada gratuita e estará aberta ao público de segunda a sábado, entre as 10 e as 18 horas, até 29 de abril.

Poema à mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe.

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal…

Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.
Eugénio de Andrade, in “Os Amantes Sem Dinheiro”