Filme Amadeo

“Amadeo”: O filme que nasce da coragem do seu olhar

“Amadeo está de gravata, tem a mão esquerda no colete, casaco semiaberto, cabelo farto sem chapéu, olhar altivo a roçar a arrogância de quem sabe o que vale, ciente do seu talento. Vicente Alves do Ó, realizador, encara esse olhar intrigante que sai desse retrato num cartaz gigante. “Um olhar de desafio com uma altivez e uma soberba – não soberba de se achar melhor do que os outros, soberba de desafiar os seus limites -, um olhar corajoso. Parecia estar vivo”, recorda. E está, vivo e inteiro, no seu filme”, começa por se ler na elegante reportagem assinada por Sara Dias de Oliveira na revista Notícias Magazine.

“Era novembro de 2016, o realizador tinha acabado de filmar “Al Berto”, apetecia-lhe uns dias de passeio pelo Porto, fez-se à estrada. Um dia, a meio da semana, sai do hotel, começa a chover, não tem guarda-chuva, fixa o olhar na fachada do Museu Soares dos Reis, vê o anúncio da exposição de Amadeo de Souza-Cardoso, 100 anos depois da mostra de 1916 no salão de festas do Jardim Passos Manoel, ali, no Porto – nesse ano, o pintor tinha 28 anos e decidira fazer uma retrospetiva da sua obra com 114 quadros. Vicente Alves do Ó adia o passeio na baixa, entra no museu, aquele retrato suga toda a sua atenção. Vê a exposição, retém as palavras escritas nas paredes. E a ideia do filme acontece. Por amor, por admiração. Pelo acaso ou pelo destino”, prossegue, recordando como tudo começou e os motivos que levaram o realizador a rodar uma longa-metragem sobre a vida e obra de Amadeo.

Em alguns excertos desta reportagem publicada na Notícias Magazine pode ler-se:

Amadeo de Souza-Cardoso, o pintor que era tudo e não era nada, sendo tudo ao mesmo tempo, chega ao cinema em três tempos da sua curta e intensa vida. O artista incompreendido, que queria pintar o futuro, nasce no lugar de Manhufe, Mancelos (Amarante), vive em Paris, morre em Espinho. Inquietações e sonhos pela lente de Vicente Alves do Ó.

As conversas, aqui, nestas páginas, navegam entre o passado e o presente. Porque Amadeo foi, porque Amadeo é. Um homem de vanguarda, espírito livre, considerado um dos artistas mais relevantes e importantes do modernismo europeu. Viu o que, para muitos, ainda estava por ver, ousou sonhar. Um pintor no epicentro artístico do início do século XX, quase apagado na história do seu país. Inspirou-se em paisagens, beijos, animais, galgos, bailaricos. Uma vida de amor e de dor.

Rafael Morais é Amadeo, o protagonista. “É um luxo tremendo dar vida ao Amadeo, um pintor que queria estar na vanguarda a nível artístico e que poderia moldar o caminho da arte internacional, um artista incompreendido”, afirma. A construção da personagem, do artista demasiado moderno para o seu tempo, teve vários momentos, várias camadas. O ator teve nas suas mãos tintas e pincéis de Amadeo, pegou-lhes, tocou-lhes, sentiu-os. Foi mágico, quase esotérico, sentir Amadeo naquele material guardado nos cofres da Gulbenkian.

O filme transpira Amadeo, enquanto artista, enquanto homem, enquanto amante, enquanto filho, enquanto irmão. E todas as suas lutas internas num Mundo em mudança, tão longe e, ao mesmo tempo, tão perto. “É um filme digno que respeita o Amadeo enquanto artista”, comenta Rafael Morais. O pintor que queria pintar o futuro. “Esse pintar o futuro é estar na vanguarda, à frente de todas as modas.”

Vicente Alves do Ó partilha os seus propósitos do filme totalmente inspirado em Amadeo. “Quis vingá-lo em relação à morte, o destino foi muito ingrato no caso de Amadeo. Quis dar-lhe um espaço que o cinema possibilita que é eternizá-lo de alguma forma”, salienta. O realizador tem uma certeza à volta da vida e obra de Amadeo. “Ainda há tanto trabalho por fazer”, avisa.

Amadeo de Souza-Cardoso nasce em 1887, no lugar de Manhufe, Mancelos, Amarante, no meio de oito irmãos, família burguesa com negócios ligados à vinha. Estuda na Escola de Belas-Artes de Lisboa, parte para Paris, regressa a Manhufe para fugir da guerra, casa-se com Lucie, seu grande amor, no Porto, quer voltar à capital das luzes, sonha expor em Nova Iorque. Morre aos 30 anos.