Chamava-se Pérola e pertencia a um pequeno rebanho, numa aldeia do norte do país. O dono era um pastor muito severo, envelhecido pelas caminhadas ao frio e ao calor, sempre com um cajado na mão, porém Pérola ignorava-o completamente quando via o dono mais novo. Com Joãozinho partilhava brincadeiras, aventuras, segredos; bastava ele assobiar, para que ela se precipitasse para a entrada do curral.
– Bom dia, minha amiguinha – cumprimentava ele. – Estás pronta para mais um dia de aventuras por esses montes fora?
Pérola dava saltos de contentamento e balia. É evidente que o pai não gostava dessas intimidades. Era apenas uma ovelha!
– Está bem, pai – respondia, submisso. Mas quando encontrava uma oportunidade, segredava ao ouvido de Pérola:
– Não ligues ao meu pai. Ele não compreende estas coisas.
Quando o tempo o permitia, iam para a serra, onde se sentiam muito mais livres, pois podiam correr e saltar; no inverno era mais difícil, muitas vezes chovia ou nevava e eles tinham de ficar em casa.
Era véspera de Natal. A aldeia preparava-se para celebrar a festa do nascimento do Menino Jesus; no centro, já se encontrava o tradicional tronco, rodeado de lenha, que os homens tinham ido buscar, como faziam todos os anos, num carro de bois, para acender a grande fogueira de Natal. Aqui e ali já se sentiam os odores dos pratos típicos da época e que as mulheres procuravam fazer sempre em quantidade substancial para alimentar a sua família e também para partilhar com todos aqueles que o desejassem. Ninguém passava fome e o que pertencia a um, a todos pertencia.
Durante alguns dias, e devido às fortes chuvadas que tinham caído na região, os pastores e os rebanhos mantiveram-se recolhidos; naquela manhã, o pai de João olhou o céu ainda carregado e disse para o filho:
– O tempo parece estar a melhorar, hoje vamos sair. Os animais não podem ficar tanto tempo no curral. Além disso, amanhã é Natal. Estamos em casa antes da noite.
Ainda um pouco ensonado, o pequeno levantou-se, vestiu-se, lavou a cara e pegou num enorme pedaço de pão com queijo.
– Mas que fome, vais comer isso tudo? – perguntou a mãe.
– É, mãe, crescer dá muita fome.
A mãe sorriu da resposta sempre pronta do filho. Ela sabia quem iria partilhar com ele aquele pequeno-almoço. Entretanto, João dirigiu-se para o curral.
– Pérola, vamos, hoje é dia de ação.
A ovelhinha parecia adivinhar, pois já o esperava ansiosa. Pouco tempo depois, encontravam-se a caminho da serra. O pai ia à frente, acompanhado pelo seu fiel cão, o Serra; o perdigueiro andava sempre de um lado para o outro; o João e a Pérola seguiam atrás do rebanho.
Estava bastante frio. As capas de lã de ovelha protegiam os homens; os animais já estavam protegidos por natureza.
Foi um percurso difícil, pois havia ainda alguma neve na serra, no entanto, por volta do meio-dia, chegaram ao destino. Como João gostava de admirar aquela extensão de paisagem, agora salpicada de pedaços de neve, onde as casas pareciam mergulhados no fundo do vale, deixando sair pequenas ondas de fumo das chaminés! Subia à rocha mais alta e gritava alto para ouvir a sua voz a repetir-se em eco. Ali sentia-se um deus de muitos impérios. Quando a fome apertou, comeram qualquer coisa, enquanto o gado se deliciava com a erva fresquinha. A meio da tarde, uma brisa mais forte começou a fazer-se sentir.
– O tempo está a piorar, pai, acho melhor daqui a nada irmos embora – disse o João, olhando as nuvens, que se deslocavam de um lado para o outro. É evidente que não confessou a ansiedade em que se encontrava, pois queria também participar na preparação do Natal.
– Não te preocupes – respondeu o pai, – vamos ficar mais um pouco.
No entanto, e quase sem se aperceberem, as nuvens, que pareciam tão distantes, foram descendo à terra e ainda não tinha passado uma hora quando um espesso nevoeiro resolveu aninhar-se à terra envolvendo tudo. Pai e filho assobiaram e chamaram os cães para juntarem o gado. É evidente que o nosso João procurou logo a sua ovelhinha preferida. Que estranho, pensou ele, deixei de a ver há já algum tempo. Onde é que se terá metido?
– Pérola, onde estás? Pérola! Vamos embora!
E assobiou mais uma vez e outra e outra. E… nada.
– Pai, não sei da Pérola. Viu-a? – indagou já bastante aflito.
– Não, João, tu não sabes educar a tua ovelha. Faz tudo o que quer, agora desapareceu. Que chatice!
– É a primeira vez que isto acontece. Vou ver atrás daquela fraga. Vá andando que eu já vou.
– Vê lá! Despacha-te! E não demores! Estás a ver como o tempo está!
João já não ouviu as últimas palavras nem sequer sentia o frio que era cada vez mais intenso.
– Pérola, onde estás, não temos tempo de ir à aventura, temos de ir para casa.
Procurou atrás do rochedo em forma de ovo, depois atrás das árvores onde costumavam jogar às escondidas, de seguida atrás de uma pequena elevação de terra. Pérola não estava em lugar nenhum.
– O que é que eu faço? Eu não posso ir embora sem ela. – E continuava a chamar: – Pérola, minha amiga! Pérola!
De repente, ouviu um balido longínquo.
– É ela! Onde estás? Pérola!
Começou então a correr em direção àquele balido tão conhecido e que se tornava cada vez mais próximo.
Encontrou-a. Estava encostada a uma rocha, quase deitada.
– Ah, sua marota, como é que me fugiste? Anda, vamos embora!
A ovelhinha não se mexeu. Olhava o amigo, como se lhe pedisse alguma coisa.
– Estás ferida? Caíste?
E foi um piar breve e sumido que o fez compreender o que se passava. A sua ovelhinha branca estava a proteger um ninho! João espreitou boquiaberto. Duas avezinhas com alguma penugem rara abriam insistentemente o bico.
– Muito bem, querida Pérola, e agora o que fazemos? É melhor levá-las para casa; tens razão, aqui sozinhas morrem, de certeza. Quando o tempo ficar melhor, trazemo-las de volta, talvez os pais as aceitem de novo. O meu pai contou-me que uma vez também…
E enquanto relatava a história do pai, pegou no ninho com muito cuidado e colocou-o debaixo da capa.
– Pronto, agora já podemos ir.
Entretanto, o nevoeiro tornava-se cada vez mais denso. Encostados um ao outro, e com as avezinhas protegidas, iam escolhendo o caminho mais seguro, já tantas vezes calcorreado por eles, mas que se tornava agora tão desconhecido e tão perigoso. E, de repente, aconteceu: João escorregou e caiu. Com a maior agilidade possível ainda tentou levantar-se. Não conseguiu.
Chamou pelo pai, aflito. Nem o eco lhe respondeu. Então, a ovelhinha começou a balir e a andar de um lado para o outro, a dar saltos e a olhar para o caminho.
– O que é que me queres dizer? Claro, é isso, querida amiga, vai, vai pedir ajuda.
Era o que ela queria ouvir. E correu, correu, perdendo-se no nevoeiro. João sentiu um medo terrível e aconchegava mais as aves para si, para se sentir mais acompanhado. Sabia que Pérola era uma ovelha diferente e muito inteligente e ia conseguir chamar alguém. Só tinha de esperar. E foi precisamente isso que fez. No entanto, o tempo ia passando, estava cada vez mais gelado e a perna doía-lhe cada vez mais. Sonhos antigos onde sempre entravam histórias de lobos, contadas pelas pessoas mais idosas da aldeia, vieram povoar os seus pensamentos. E se algum o descobria? Nem queria pensar no que lhe poderia acontecer! Começou a desesperar. Os dias no inverno eram mais pequenos e sabia que lhe restava pouco tempo para que se desvanecessem as últimas réstias de luz. Estava quase a desfalecer, quando lhe pareceu ouvir vozes. Apurou o ouvido. Era alguém, era alguém, tinha a certeza. De facto, passados alguns minutos viu aparecer, do meio da quase escuridão, a sua ovelhinha, seguida pelo pai e por outros homens da aldeia.
João não tinha chorado ainda, ele tinha de se portar como um homem, mas naquele momento grossas lágrimas de felicidade deslizaram pela cara já molhada. Também os outros choraram, e principalmente o pai; afinal, com o nevoeiro e com o susto ninguém notava.
À noite, celebrou-se a festa do nascimento de Jesus, e celebrou-se também a amizade. Todos se encontraram, depois da consoada, à volta da fogueira. É claro que João, apesar de ter partido a perna, e depois de ser tratado, não podia deixar de ir, nem mesmo à missa do galo que se lhe seguiu. E para espanto de todos, quem o acompanhava de perto, era a Pérola, a nossa querida ovelhinha branca.
– Olha, este ano parece que temos um presépio vivo: o Menino Jesus com a ovelhinha do Natal! – disse a mãe de João.
Todos concordaram. Foi um Natal único e inesquecível, como é sempre que se celebra a amizade e a partilha.