A propósito de uma visita que fiz a Portalegre, considerei oportuno dedicar este editorial a José Régio, escritor, poeta, dramaturgo, ensaísta, pintor e colecionador de arte sacra e popular, não só pela sua excecionalidade, mas também pela sua ligação a Agustina Bessa-Luís.
Foi no Diana Bar, Póvoa de Varzim, construído em 1938, que José Régio escreveu grande parte da sua obra, sendo também, pela sua localização em frente ao mar, o lugar privilegiado para os encontros culturais promovidos por escritores e intelectuais de várias cidades. A mesa e a cadeira usadas pelo autor ainda hoje se encontram no mesmo local, junto a um retrato seu. Entre os participantes nas tertúlias literárias, que aqui ocorriam ou ainda no restaurante Marisqueira em A-Ver-o-Mar (o “grupo dos sábados”), lideradas por José Régio, além de Agustina Bessa-Luís, falemos também de Manuel de Oliveira (cineasta), Luís Amaro de Oliveira (ensaísta e professor), Pacheco Neves (escritor) e João Marques (ensaísta e professor).
José Régio nasceu a 17 de setembro de 1901, em Vila do Conde, onde faleceu a 22 de dezembro de 1969. Licenciou-se em Filologia Românica em Coimbra e em 1927 começou a lecionar as disciplinas de Português e de Francês, no Porto; no ano seguinte, vamos encontrá-lo em Portalegre, na atual Escola Secundária Mouzinho da Silveira, então Liceu Nacional de Portalegre, onde se manteve até à sua aposentação em 1962. Em 1966, regressa definitivamente a Vila do Conde.
José Régio é uma figura incontornável da literatura portuguesa, não só pelo legado literário que nos deixou, mas também pelo seu extraordinário contributo em prol do reconhecimento de outras figuras literárias, como Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro; além da participação em vários jornais e revistas, fundou, com Branquinho da Fonseca e João Gaspar Simões, a revista Presença, marco fundamental do segundo modernismo português.
O homem reconhece-se pelo que diz e pelo que faz e este é o seu verdadeiro legado; os lugares por onde José Régio passou prestam-lhe sincera homenagem, embora ele tenha para isso contribuído, ao longo de toda a sua vida. Em Vila do Conde, encontramos o homem das letras, independente, crítico, contestatário. Em Portalegre, está o homem dedicado à causa social, à arte sacra e à arte popular. Depois do pasmo inicial que é necessário quando se encontra o que se procura, penetrei num universo completamente diferente, num mundo de memórias de anos e anos, e que o autor procurou preservar. Não entramos numa simples casa-museu, entramos no universo de crenças, de sensibilidades, de lutas, de fragilidades e de certezas. E de uma verdadeira paixão. Em cada figura, há uma história, mãos que construíram e mãos que amanharam; em cada esquina, um sonho, um pedacinho de afetividade e de amor. Respira-se, naquele espaço, um apaziguamento com algo que nos pertence e que não conseguimos nomear. Acreditem que não estou a exagerar. Qualquer pessoa que ali entre é tocada por algo imanente ao ser humano, a cultura e a criatividade, que muitas vezes está para lá do nosso entendimento. José Régio cultivou, como ninguém, a singularidade artística de um povo anónimo que o antecedeu e que ele procurou, com a energia da sua alma, preservar e, muitas vezes, com reais dificuldades, como nos revelou a guia que tão gentilmente nos acompanhou. É uma verdadeira viagem ao mundo de José Régio, mas também ao coração de uma cultura que ele teimou em não deixar morrer.
Camões promete cantar na sua epopeia os que se libertaram da lei da morte, isto é, do esquecimento. Certamente, se fosse vivo, cantaria também Agustina, também José Régio.