JVM – Qual a importância da leitura dramatizada para a compreensão de uma obra? De que forma poderá ser considerada uma das formas de incentivo para a leitura e para a literacia dos nossos jovens?
Anabela Borges – A leitura dramatizada/encenada é um forte aliado na “angariação” de leitores, já que a oralidade (leitura/reconto em voz alta) tem o dom de cativar, por norma, quem ouve. Esse é um tipo de leitura mais pessoal, pois reflete as impressões do próprio contador de histórias, correndo o risco de não ser imparcial quanto à ênfase aplicada aqui e ali, mas, por outro lado, tem o atrativo dos movimentos e dos sons, com um corpo e uma voz que conduz os recetores da história para um mundo à parte, trazendo aquele alheamento temporário que só a leitura pode proporcionar, a viagem por tempos e espaços inusitados, na companhia de personagens que instantes atrás não constavam do seu imaginário. O ato de contar e ouvir histórias está enraizado na existência humana, convertendo a leitura num evento social, envolvendo diferentes gerações. Assim, a participação em momentos de leituras encenadas favorece a atenção e a concentração, a interação, a comunicação e a criatividade, já que “quem conta um conto…”.
JVM – Ler Agustina no seu Centenário. Fale-nos um pouco da sua relação com a autora, com os seus livros, com a sua escrita.
AB – O meu primeiro contacto com Agustina Bessa-Luís veio através da minha mãe, que me deu a conhecer a mulher e autora amarantina. Falou-me dela e deixou-me desperta para a importância do seu trabalho e da sua figura, enquanto amarantina ilustre. Depois, conheci os “Contos Amarantinos”, recontados por Agustina (lá está, a importância da oralidade também valorizada pela autora), num livro que tínhamos em casa e ao qual continuo a recorrer muitas vezes. No ensino secundário, com o estudo de “A Sibila”, tomei contacto definitivo com o universo agustiniano e jamais me desapeguei dele. Agustina é a minha escritora portuguesa favorita e está entre as que considero maiores do mundo.
Ler Agustina no seu centenário é de extrema importância para lhe perpetuarmos a voz, para que não caia no esquecimento a obra densa e vasta que nos deixou, reflexo da condição humana em todas as suas vertentes, num sentido mais universal, e ilustração da alma portuguesa, num sentido mais particular. Observadora atenta, Agustina dá-nos o retrato do mundo recorrendo a uma ironia sofisticada e impiedosa e dá voz à memória da cultura portuguesa. Por isso, não podemos deixar que caiam no esquecimento a autora e a sua obra.
JVM – Como olha para este tempo de pós-pandemia e de restrições e que implicações poderá ter na educação em geral e dos nossos jovens em particular?
AB – Estes são tempos de grandes dificuldades, e agora ainda mais, acrescentando à pandemia uma guerra de dimensões ainda desconhecidas… Está por avaliar o impacto destes tempos agrestes na sociedade, sobretudo nas suas camadas mais jovens. Houve/há muito a perder, desde as aprendizagens não consolidadas à saúde mental. Avizinham-se tempos difíceis, de grandes desafios e privações, ainda maiores do que as que já se viveram nos últimos dois anos. Por isso, há lições a aprender sobre a frugalidade da vida e a fragilidade humana, e é aí que a família e a escola têm um papel fundamental. Tenho muita pena de todos os que têm sido privados de viver a infância e a juventude de forma plena, feliz e em liberdade. Cabe-nos a nós, adultos, encontrar novos caminhos para que crianças e jovens reencontrem o seu propósito de vida e a sua voz no mundo.
JVM – Como autora, como se relaciona com os seus leitores? Tem algum projeto sobre o qual queira falar?
AB – Tenho uma relação muito terra-a-terra com os meus leitores, e o que mais gosto é de conversar com eles; gosto de partilhar ideias e emoções; gosto muito de ouvir o que têm para dizer! Muitas vezes, é aos encontros com os leitores que vou buscar novo fôlego, novas ideias para novos projetos.
O projeto de vida que acho mais importante dos que tenho vindo a desenvolver é o de ser mediadora de leitura, pois acho que quando conseguimos reunir um grupo de pessoas em torno da ideia de um livro, essa é uma pequena grande conquista para o mundo da cultura. E isso traz muita esperança. Tenho vivido momentos muito gratificantes graças aos livros, à escrita e à leitura, com leitores literalmente de todas as idades, e estou muito grata por todos eles.
JVM – O que acha destas atividades levadas a cabo pela Junta de Freguesia de Vila Meã, ao longo do centenário destes autores, Agustina Bessa-Luís e José Saramago?
AB – A Junta de Freguesia de Vila Meã está de parabéns pelas iniciativas culturais que está a levar a cabo. E tenho visto uma grande adesão por parte do público em geral, o que deverá ser motivo de grande orgulho para a freguesia, o concelho e o país. Celebrar vozes da cultura portuguesa, com destaque para estes dois grandes vultos – Agustina e Saramago – é lembrar que a nossa identidade passa pela preservação da memória e a memória só persiste se for cultivada e bem alimentada.
Anabela Borges é natural de Telões, Amarante. Em 2011 venceu o prémio literário “Conto por Conto”, com o conto “A Tundra (cemitério de memórias)”, da Alfarroba Editora. Em 2012 o seu conto “A Pergunta” foi considerado o melhor pela Pastelaria Studios Editora, valendo-lhe a edição da antologia de contos “Até Ser Primavera” (2013). Em 2014 com “As Famílias dos Animais”, estreou-se na literatura infantojuvenil, editora Lugar da Palavra. Em 2015 publicou a narrativa lírica dos amores de Pedro & Inês “Os Anjos de Pedra”, Edições Sem Nome. Em 2019 venceu o prémio de literatura infantojuvenil Ilídio Sardoeira, com o conto “Os Dias Pequenos”. É colaborada no blogue Bird Magazine e em jornais locais. Tem integrado diversas coletâneas, essencialmente com contos e poesia.
Entrevista a Anabela Borges realizada no âmbito do programa cultural “Leituras” realizado pela Junta de Freguesia de Vila Meã.