Palavras sem obras

“O poeta superior diz o que efetivamente sente. O poeta médio diz o que decide sentir. O poeta inferior diz o que julga que deve sentir.”

Porque se avizinha o mês de junho, apetece-me falar de poesia, em geral, e do poeta Fernando Pessoa, em particular, que nasceu no dia de Santo António, em 1888. Decerto pensará o leitor que este é um tema recorrente e que poderia talvez dissertar sobre outro bem mais interessante. Porém, a questão coloca-se: neste momento, o que é mais interessante? O que é prioritário?

Falar sobre violência doméstica, bullying, depressão causada pelo desânimo geral, desgraças, mortes, suicídios, discriminação? Ou falar antes sobre férias, festas ainda não permitidas por causa do pavor do contágio ou sobre a aprendizagem de tantas crianças e jovens, escudada pelos cuidados e pela vontade de tantos educadores anónimos?

Todos os dias somos invadidos por notícias que a esses temas dizem respeito. E embora não se confesse, mas a maior parte de nós, a algumas delas não prestamos mais atenção do que uns breves segundos, pois o título já diz demais. Quando a onda é forte, difícil é combatê-la, mas hoje vou enfrentá-la, vou optar pelo otimismo, pela positividade. Assim sendo, não pretendo ocupar o espírito do meu leitor com aquelas banalidades sérias do nosso dia-a-dia, que de tão sérias e tão comuns, como disse, passam a ser relativizadas. Gosto muito de poesia, escrevo poesia, leio poesia; a poesia acompanha-me, como as histórias, desde que me reconheço como pessoa. O contexto da pandemia obrigou-nos ao isolamento, fechou-nos portas, mas abriu-nos janelas, como já disse e não temo repetir. Como sou de opinião de que os gostos se atraem sempre, um dia fui convidada para fazer parte de um grupo de pessoas que tem dedicado a sua vida à poesia. Organizaram-se encontros, virtuais, claro, conversas, partilhas. E veio gente de todo o lado, e deu abrigo aos mais abandonados e acompanhou os mais sós, os mais sensíveis. A poesia tornou-se uma linguagem universal, um veículo de amor, de entrega, de generosidade, de igualdade, de solidariedade. É um movimento que continua a crescer. Não estou a gracejar, acreditem. A poesia e a escrita têm unido gente de todos os cantos do mundo e, penso, salvo muita gente da pequenez, do anonimato e do esquecimento. Há milagres, diz-se, e aventuro-me a dizer que este é um deles.

O percurso do poeta, ao longo da história, tem sido, invariavelmente, de um homem só, tem sido alvo de rejeição social, de luta contra a marginalização e contra o descrédito. Tem-se associado à poesia e à escrita criativa a noção de inutilidade e os nossos tempos não são exceção, embora a poesia esteja presente no nosso país desde a formação da nossa nacionalidade. Refiro-me aos cantares de amigo, protagonizados pelos jograis e trovadores que animavam as populações e as gentes que viviam nos castelos. Somos um país de poetas, diz-se. E imediatamente ecoa a ideia também tão divulgada, e que reforça a ostracização, de que de poeta e louco todos temos um pouco.

Ser poeta não é profissão, ninguém sobrevive apenas a escrever e a publicar poesia. Quanto ao meu / nosso Fernando Pessoa, viveu só, escreveu só, morreu só. As suas últimas palavras foram “I know not what tomorrow will bring”, não sabia o que o futuro lhe reservava, não sabia que passados tantos anos, ele ainda continua presente e bem vivo nas nossas vidas. Pela sua grandiosidade, pela sua verdade, pelo seu exemplo. Parafraseando Camões, a poesia libertou-o da lei da morte.