gratidão

“A gratidão é o único tesouro dos humildes” – William Shakespeare

“Não faço anos, duro” é um verso da autoria de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa. Concordo inteiramente com ele, muito mais hoje, devido às circunstâncias. Quando vivia ainda a euforia da certeza de que cada aniversário era uma vitória contra o tempo, dava por mim a colocar algumas questões que considerava de caráter existencial, mas de pouca validade pragmática: onde estarei daqui a um ano? Será que vou recordar este momento preciso em que penso nisto? Em que medida a distância temporal contribuirá para a minha mudança e para o meu crescimento?

Os tempos correm pouco gentis para o ser humano; porém, e embora os ânimos estejam exaltados, as pessoas vão tentando a todo o custo, aplacá-los, com a noção clara de que o futuro nunca esteve tão comprometido como agora. Vive-se o hoje, vive-se para o momento, para o dia, para a hora. E por isso é que a cada minuto é necessário agradecer. Agradecer por aquilo que ainda temos: saúde, liberdade e sol. O mais lógico seria, evidentemente, acrescentar a paz. Mas ela só será possível se for impelida pela energia da positividade e da alegria que o astro rei nos fornece tão gratuitamente.

Estes parágrafos servem de introito para falar de novo nos benefícios do contacto com a Natureza, com as pequenas coisas, com os pequenos seres que vivem apenas e aceitam a sua circunstância natural e não se questionam (como eu costumava fazer). E esta referência leva-me a falar de novo também num espaço fantástico que pode ser visitado por todos os que apreciam o colorido dos dias através das árvores e das suas folhas. Falo da Ciclovia de Amarante. Ali, a palavra gratidão solta-se em todos os cantos. O prazer e a alegria renovam-se em cada curva, em cada saudação. Ali, todos os sentidos são carinhosamente acariciados. Não exagero. É a minha sensibilidade que fala mais alto, é certo, mas penso que ninguém consegue ficar indiferente ao cantar dos pássaros e das fontes, às vozes longínquas e vivas que nos chegam em indistintos monossílabos, e sobretudo ao cantarolar das folhas secas debaixo dos pés; ninguém ficará indiferente aos cheiros frescos de cozinha, quando nos aproximamos das habitações contíguas; ao afago do sol, nos intervalos das árvores, e à frescura, sempre mágica a despertar respeito, do tão afamado túnel que tantos comboios deixou passar; ao surpreendente matizado da paisagem; enfim, a todo o milagre em constante eclosão.

Por isso, resta-me agradecer. Pela oportunidade. Pela saúde. Pela vida. Porque agradecer é também uma forma de sobreviver e de amar.