Palavras sem obras, Animais

“Animais – eles são a medida da nossa paz com o mundo criado”

Abordei a questão dos direitos do Homem, no último editorial. Ainda estão ao rubro os acontecimentos relacionados com os direitos (ou não) daqueles seres que, quer queiramos quer não, quer aceitemos quer não, são seus vizinhos nesta grande casa que é a Terra, e com os quais partilha ventos, marés, frios, calores e tempestades. Quando se fala de animais mais próximos do Homem, pensa-se imediatamente naquele que se tornou seu amigo inseparável, e cuja fidelidade se tornou inquestionável, o cão. Porém, também poderíamos falar no gato, adorado no antigo Egito, ou no elefante, tão amado na Índia. Seria injusta para tantos outros se apenas falasse nos que acabei de citar. Por ouro lado, não quero multiplicar frases feitas, recheadas de conceitos como o respeito, amizade, simpatia, carinho, pois considero que eles deviam fazer parte integrante da humanidade de cada um de nós. Assim sendo, optei por recorrer às fontes escritas.

De acordo com a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, (aprovada a 13 de abril de 1993) reconhece-se que, e cito, “o homem tem uma obrigação moral de respeitar todas as criaturas vivas, tendo presentes os laços particulares existentes entre o homem e os animais de companhia; a importância dos animais de companhia em virtude da sua contribuição para a qualidade de vida e, por conseguinte, o seu valor para a sociedade; a posse de espécimes da fauna selvagem, enquanto animais de companhia, não deve ser encorajada; ninguém deve inutilmente causar dor, sofrimento ou angústia a um animal de companhia; são proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os atos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal”.

Estas palavras são a razão, o grito oportuno e verdadeiro que fala mais alto do que qualquer sensacionalismo ou qualquer emoção espontânea. Como dizia Agustina Bessa-Luís, “As palavras não significam nada se não forem recebidas como eco da vontade de quem as ouve.”

O poema que abaixo transcrevo é, para mim, a melhor homenagem que se pode fazer aos animais, pois perdura no tempo. Pertence a Pedro Diniz (1839-1896) e foi recolhido por Antero de Quental, no Tesouro Poético da Infância. Dar voz a alguém é respeitar a sua dignidade e a sua existência, é aceitar a sua individualidade.

Vozes dos Animais

Palram pega e papagaio

E cacareja a galinha

Os ternos pombos arrulham;

Geme a rola inocentinha.

 

Muge a vaca; berra o touro;

Grasna a rã; ruge o leão;

O gato mia; uiva o lobo,

Também uiva e ladra o cão.

 

Relincha o nobre cavalo;

Os elefantes dão urros;

A tímida ovelha bala;

Zurrar é próprio dos burros.

 

Regouga a sagaz raposa

(Bichinho muito matreiro);

Nos ramos cantam as aves;

Mas pia o mocho agoureiro.

 

Sabem as aves ligeiras

O canto seu variar;

Fazem às vezes gorjeios,

Às vezes põem-se a chilrar.

 

O pardal, daninho aos campos,

Não aprendeu a cantar;

Como os ratos e as doninhas,

Apenas sabe chiar.

 

O negro corvo crocita;

Zune o mosquito enfadonho;

A serpente no deserto

Solta assobio medonho.

 

Chia a lebre; grasna o pato;

Ouvem-se os porcos grunhir;

Libando o suco das flores,

Costuma a abelha zumbir.

 

Bramam os tigres, as onças;

Pia, pia o pintainho;

Cucurica e canta o galo;

Late e gane o cachorrinho.

 

A vitelinha dá berros;

O cordeirinho, balidos;

O macaquinho dá guinchos;

A criancinha, vagidos.

 

A fala foi dada ao homem,

Rei dos outros animais.

Nos versos lidos acima,

Se encontram, em pobre rima,

As vozes dos principais.

Cidália Fernandes