Um olhar Amarantino sobre os 50 anos de vida literária de Mário Cláudio

Nos passados dias 24, 25 e 26 de outubro de 2019, realizou-se entre a Faculdade
de Letras da Universidade do Porto, o Município de Paredes de Coura e o Centro de
Estudos Mário Cláudio o encontro TRILOGIA DO BELO como forma de homenagear a
obra de Mário Cláudio a partir dos seus 50 anos de vida literária.

Nos dias 25 e 26 de outubro as atividades do encontro decorreram entre a vila de
Paredes de Coura, no Alto Minho, e o lugar de Venade, freguesia de Ferreira, local onde
não só se encontra o Centro de Estudos Mário Cláudio como também a Casa dos Anjos,
espaço mitológico em torno do qual Tiago Veiga passou a sua infância e os seus dias
derradeiros.

Na manhã de 26 de outubro, rigorosa de frio, mas exuberante de luz, realizou-se O
Mundo dentro d(as)e Paredes de Coura. Um Roteiro Literário de Tiago Veiga. Este
roteiro, da autoria deste que vos escreve somente no arranjo do texto, visto que quase
todas as palavras saltam de Tiago Veiga. Uma Biografia, de Mário Cláudio, foi
promovido pelo Município de Paredes de Coura e pelo Centro de Estudos Mário
Cláudio, tendo sido dinamizado pelo Stay to Talk – Instituto de Imersão Cultural.

O roteiro, seguindo a lógica da importância do número 3 na obra de Mário
Cláudio, foi dividido em três momentos relacionados com a vida de Tiago Veiga, essa
figura que não só bebe nas águas da heteronímia de Fernando Pessoa, em especial do
veio de Álvaro de Campos, mas que também as ultrapassa, criando uma nova teoria para
a criação de verdades ou pessoas de papel. Antes do início do roteiro houve tempo para
evocar A Trilogia da Mão, mas em vez de Amadeo de Souza-Cardoso, Guilhermina
Suggia ou Rosa Ramalho, as mãos tiveram como propósito criar vida através do pão e
da broa de milho. Com algumas generosas senhoras do lugar de Venade, não só vimos
amassar o pão como o processo de enforná-lo num forno de lenha colhida nas cercanias.

A 1ª parte do roteiro, Dos Antepassados ao Terramoto de 1930, relata a história
dos progenitores de Veiga, assim como o seu nascimento (no Brasil) e a sua infância na
Casa dos Anjos. Seguidamente, já na Capela da Casa dos Anjos, dá conta das primeiras
letras do nosso poeta, ao fazer referência a um poema escrito em 1913, quando Tiago
tinha apenas 13 anos. De destacar que durante a dinamização do roteiro dentro da
Capela da Casa dos Anjos houve tempo para um concerto de violoncelo, com peças de
Bach, evocando, assim, o romance que leva o nome da violoncelista portuguesa:
Guilhermina.

A 2ª parte, Do Amor, do Sangue e dos Cavalos de Danaan, conta-nos a história
de um Tiago Veiga adulto, das suas viagens pelo mundo, mas, acima de tudo, do seu
segundo casamento com a pintora irlandesa Ellen Rassmunsen. (De realçar que se
encontra em exposição no Centro de Estudos Mário Cláudio a obra Os Cavalos de
Danaan, de Ellen, que também serviu de capa ao livro sobre Tiago Veiga, assim como
desenhos e pinturas do poeta e do Mestre José Rodrigues). Durante este momento, a dinamização do roteiro foi efetuada no antigo Sanatório Marechal Carmona, situado em
Paredes de Coura, uma vez que a esposa de Tiago Veiga viria a sofrer de tuberculose e a
sucumbir dessa enfermidade.

A 3ª parte, Da Relação com o Biógrafo. O Desafio da Posteridade, descreve-nos
a relação truculenta e agridoce, vulcânica e efetivamente humana de Mário Cláudio com
Tiago Veiga. Na verdade, o romancista e o poeta mantiveram uma relação que em nada
aparentava a de discípulo-mestre, como Caeiro foi para os heterónimos e para o próprio
Pessoa. É neste momento do roteiro que Veiga pede a Cláudio para que este escreva a
sua biografia, obtendo deste último um redondo, itálico e negrito não. Foi no cemitério
de Reirigo, lugar onde se encontra sepultado aquele que se suicidou aos 88 anos, que
decorreu o último momento do roteiro literário.

Por fim, houve confraternização entre os presentes no alto do Monte de São
Silvestre, onde se comeu a broa de milho confecionada minutos antes do roteiro e
também se bebeu daquele abençoado verde branco que cai da infusa como grossas gotas
de orvalho que dão vida e força.

Com a realização deste roteiro literário, em que estiveram reunidas mais de 60
pessoas de geografias diversas (académicos, turistas, curiosos, leitores, admiradores,
locais, entidades públicas e políticas), concretizou-se o ideal humano da cultura
acessível a todos, através das várias experiências sensoriais e intelectuais.

Se, por um lado, a matéria-prima do roteiro residia na obra literária, por outro
lado, não é menos verdade afirmar que o propósito último de todo este encontro foi a
celebração do Belo através das suas diversas manifestações.

No fundo e no fim, as pessoas terminaram o roteiro com vontade de (re)lerem a
obra Tiago Veiga. Uma Biografia, visto os inúmeros segredos e acontecimentos que
habitam nas mais de 700 páginas que compõem o livro. Esta vontade de ler ou de
revisitar essas páginas revela, portanto, três pontos essenciais: primeiramente, a
vitalidade da Literatura e do seu alcance e representatividade; em segundo lugar, a
qualidade da dinamização levada a cabo pelo Stay to Talk – Instituto de Imersão
Cultural; em último lugar, mas não menos importante, o mistério que gira em torno da
real existência, ou não, de Tiago Veiga.

É a partir de iniciativas desta natureza que podemos associar várias áreas do saber
e da experiência em prol da comunidade, do conhecimento e da cultura. Porque o Belo
também nos une. O Belo também nos salva.

José Vieira, Amarante, 2019